Retratos De Resistência - Flipbook - Page 51
“No dia 10 de março de 1959 eu e mais dez monges fomos
mandados à capital. No caminho para lá, um homem veio na
nossa direção e nos disse que havia sido enviado para convocar
todos os monges a ir para Lhasa e falou, com a voz tremendo,
que as pessoas estavam se reunindo fora da casa de verão do dalai-lama, pois aparentemente os chineses queriam levá-lo para a
China. Nós corremos para ver o que estava acontecendo e quando chegamos lá, nos deparamos com uma multidão fora de controle, todos estavam gritando ‘Chineses saiam do Tibete!’.
Alguns meses depois, soldados chineses vieram procurar
por mim no monastério que eu morava. Me levaram a uma
sala de interrogação e começaram a me acusar de estar envolvido com um agente infiltrado indiano e de ter participado
do protesto do dia 10. Neguei e, depois de continuar negando
diversas vezes, o interrogador me deu um tapa na cara que me
jogou para trás e os dois guardas que estavam na sala conosco
começaram a me chutar. Depois de um tempo eu perdi meus
sentidos e comecei a urinar incontrolavelmente, eu não conseguia ouvir mais nada além nos meus próprios gritos.
Essa interrogação continuou por muitos outros dias e depois eu fui levado à prisão.
Na prisão nós não tínhamos comida suficiente, estávamos tão
fracos que não conseguíamos nem aguentar o peso dos nossos
próprios corpos, vi vários amigos literalmente morrendo de fome,
nós íamos dormir sem saber se acordaríamos no dia seguinte.
Nossos sapatos eram feitos de pele de iaque, e chegamos ao ponto
de ter que comer os nossos próprios sapatos. Comíamos os ratos
e gatos que apareciam na prisão e, quando companheiros nossos
morriam, tínhamos que comer a carne deles também. Essa época
foi muito difícil para nós, especialmente porque nós somos budistas, não podemos comer animais, mas não tínhamos escolha.