Federação Nacional dos Médicos - 25 de Abril - Flipbook - 16
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Grande Entrevista
QUE NEGOCIEM COM SERIEDADE
HELENA TERLEIRA, Assistente Graduada de Medicina Interna,
há 31 anos no Hospital de Santa Luzia, na ULSAM.
FNAMZINE: A Helena foi uma das médicas a dar a
cara pelos Médicos em Luta, o movimento que ajudou a massificar a adesão às minutas das 150 horas.
Que balanço faz de todo esse processo?
HELENA TERLEIRA: Eu olho para todo este percurso
com alguma incredibilidade. Se me dissessem que
aquela tarde sábado, num serviço de urgência onde
estava com outras colegas a conversar sobre o impasse nas negociações, e que decidimos escrever a
carta aberta que começou por dar visibilidade ao
movimento, que teríamos gerado o impacto que se
gerou eu não acreditava. Nunca imaginei que fosse
possível. Mais importante do que tudo o que aconteceu, foi nós termos conseguido reunir tanta gente em defesa do SNS. Aquilo que nós pensávamos
que era um desconforto e um descontentamento só nosso, afinal era transversal a toda a classe
profissional estava espalhado pelo país. Sinto-me
muito orgulhosa por tudo o que aconteceu, mas ao
mesmo tempo também muito desiludida, porque
apesar de todo o nosso empenho e de toda a nossa
união, não conseguimos quase nada do que eram
os nossos objetivos.
Porque é que problemas e reivindicações tão antigas, só geraram descontentamento na escala que
geraram no ano passado? Porque é que acha que
levou tanto tempo a acontecer o que aconteceu,
nomeadamente para que os médicos passassem a
recusar exceder o limite legal de horas extraordinárias?
A minha leitura é que tudo isto esteve muito relacionado com tudo o que aconteceu durante a
pandemia. Estou convencida que os dois anos
de pandemia, em que fomos sujeitos a um trabalho muito intenso, a entrega absoluta que a maior
parte de nós levou a cabo, levou a que os médicos
pensassem que precisávamos de um bocadinho
mais do que tínhamos até então. Durante esses
dois anos deixámos as nossas famílias e amigos para trás, viver meses consecutivos em que saíamos
de casa com a farda vestida, estávamos sozinhos,
e no dia seguinte voltávamos a trabalhar. Foram
dias, semanas, meses consecutivos nesta vida.
Numa primeira fase cheios de medo, numa segunda fase numa exaustão completa, pelo meio a
alegria das vacinas. Foram dois anos numa roleta
russa de sentimentos, em que vimos pessoas de
quem gostávamos a falecer ao nosso lado. Isto
fez com que todos os médicos pensassem, alguns pela primeira vez, que a vida não podia ser
só trabalho e que tínhamos que apostar em ter
mais tempo e qualidade de vida. No meu entender foi o grande despoletar de tudo o que aconteceu o ano passado, porque depois do esforço
que foi pedido aos médicos nesse período, o poder político continuou sem valorizar os médicos.
Quando parecia que íamos finalmente ser valorizados, percebemos que as negociações com os
sindicatos não estavam a ser sérias por parte do
poder político, com 18 meses de negociação sem
qualquer avanço e sem respeito pelos nossos representantes. Esses dois fatores combinados foram centrais em todo este processo.
Esperavam um reconhecimento maior da parte do
poder político?
Isso, e volto a dizer, o facto de terem escolhido Manuel Pizarro, um médico de medicina interna, uma
das especialidades que mais se envolveu no combate à pandemia, depois da ministra Marta Temido
nos ter tratado tão mal, gerou na classe um sentimento de esperança que foi completamente frustrado. Foi uma desilusão. Isso levou a uma grande
revolta que como se viu estava em todos nós.
Falou-se muito que a indisponibilidade em ultrapassar as 150 horas suplementares por ano era algo mais patente nas novas gerações, concorda?
Em parte sim, mas os mais velhos, como eu que
tenho 61 anos, também aderiram. Os colegas mais
novos, da nova geração, prezam mais o seu tempo,
a sua vida, do que a minha geração. Mas os mais velhos também sentiram muito a revolta pela
falta de gratidão por tudo o que fizemos ao longo da nossa vida profissional, mas também, como lhe disse,
durante os dois anos da pandemia.
Foram dois anos numa roleta russa
de sentimentos, em que vimos pessoas
de quem gostávamos a falecer ao nosso lado.
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