Federação Nacional dos Médicos - 25 de Abril - Flipbook - 17
E!
µ 17 | FNAMZINE | abril 2024
Se a nossa luta fosse só por causa do dinheiro
ninguém tinha deixado de fazer horas suplementares,
que eram uma fonte importante do rendimento dos médicos.
Conte-nos como é que tudo se desenvolveu.
Sabemos todos que o epicentro das minutas foi
em Viana do Castelo, mas como é que as coisas
aconteceram no terreno?
Foi tudo muito rápido. Desde a carta aberta ao
Ministro, que nunca teve resposta, até ao encerramento dos serviços em todo o país. A nossa
intenção foi deixar claro, ao poder político, que
os sindicatos com quem estavam a negociar representavam de facto os médicos e o seu descontentamento. Tinham que ser ouvidos, e não o
que estávamos a ver ronda após ronda negocial.
As greves e as manifestações estavam com muita adesão, greves com perto de 100% de adesão,
manifestações muito participadas como nunca
tínhamos visto, era já evidente que as pessoas
não estavam satisfeitas, revoltadas com tudo o
que estava a acontecer. Fartas de verem os vencimentos congelados há demasiado tempo, com
os mais jovens com salários muito baixos, os internos, os novos contratos. As pessoas estavam
continuamente a sair do SNS. Com o impasse
negocial decidimos escrever a carta aberta, para
dizer que o Ministério tinha que dar as soluções
que estavam a ser exigidas. Com a manutenção
do impasse e a provocação de publicarem a Dedicação Plena durante as negociações, passámos à ação. A partir das redes sociais a palavra
foi passando e cada vez mais médicos começaram a entregar as minutas. Começou por um
grupo chamado “ULSAM a salvar o SNS”, no
Whatsapp, ainda para ajudar a organizar a greve e a manifestação de março, mas tornou-se
tão difícil de gerir que passámos para o canal
do Telegram, que podia ter até 30 mil médicos.
Era preciso agilizar a comunicação. Aí foi mais
fácil perceber a adesão, monitorizar onde é
que mais estavam a ser entregues as minutas.
Primeiro foi Viana, depois Vila Real, Penafiel,
Bragança, Chaves, Paredes, Barcelos, Braga, e
por aí fora, na bola de neve que se viu, primeiro a Norte e depois pelo país. Não sem custos,
atenção. Ao não fazermos as horas suplementares estávamos a perder dinheiro que fazia falta
a muitos médicos, e a ficar expostos ao assédio
que sentimos, nomeadamente em Viana do Castelo, onde a Administração se chegou a apresentar em reuniões com advogados externos à
ULSAM para nos ameaçar e coagir a não exercer
os nossos direitos. Chegaram a insinuar, e isto
nunca foi dito, que podíamos ter problemas jurídicos caso recusássemos cumprir com as escalas, onde fomos colocados depois de já termos
entregue as minutas.
Tentam a certa altura, sobretudo na comunicação social mais próxima do Governo, que este
era um movimento que tinha outras ambições
para lá do que aquelas que eram anunciadas. Como é que lidaram com isso?
Foi muito difícil lidar com a comunicação social.
Foi isso, foi a tentativa de nos responsabilizar
pelas potenciais mortes, enfim. Tentaram sempre colocar no nosso discurso palavras que se
podiam virar contra nós. A verdade é que não há
nenhuma ambição para lá do que aquelas que
foram anunciadas: ajudar os sindicatos nas negociações com vista a melhorar as nossas condições de trabalho, os salários e reter mais médicos no SNS. Nós nunca quisemos sobrepormo-nos aos sindicatos.
A certa altura, a pretexto da crise política, o Ministério limitou a negociação à questão salarial,
deixando cair as questões relacionadas com as
condições de trabalho. Como é que viram isso?
Sentimos que o Ministério não estava a perceber
nada. Procuraram fazer passar a imagem que nós
eramos uns mercenários, que só estávamos nisto por dinheiro. Foi insultuoso. Nós temos bons
médicos, bons especialistas. As empresas de
recrutamento procuram Portugal precisamente
porque sabem disso. O que nós queríamos era
mais valorização e garantir o futuro do SNS. Se
a nossa luta fosse só por causa do dinheiro ninguém tinha deixado de fazer horas suplementares, que eram uma fonte importante do rendimento dos médicos.
O que foi determinante para ganhar o coração da
opinião pública?
O facto de nós não estarmos a pedir coisas exclusivamente para nós – que é normal, cada profissão tem que pedir as coisas que necessita para si
– mas também no interesse de toda a população.
O principal intuito era lutar pelo SNS, com mais
capacidade de resposta, e as pessoas perceberam bem isso.
Como é que os MEL viveram o acordo que não
convenceu a FNAM e foi celebrado com o SIM e
o MS?
Foi um momento difícil dos MEL. Como sabe os
MEL tinham médicos dos dois sindicatos, e alguns não sindicalizados. Mas a grande maioria
não gostou do acordo. Algumas pessoas, com a
cabeça mais quente, foram muito duras com o
SIM. Houve discussões muito acesas porque o
acordo não era satisfatório. Tanto não era satisfatório que se nota, neste momento, que a insatisfação se mantém. O que foi acordado, mais
uma vez, não foi conforme o que queríamos, não
só porque não versava as condições de trabalho,
mas porque os aumentos não foram para todos.
Foi a manutenção da lógica dos “acordinhos”,
para satisfazer mais uns grupos profissionais
que outros, satisfazendo pequenos interesses,
mas sem dar uma resposta de conjunto às necessidades do SNS. Além disso, a grande mágoa
que este acordo provocou é que nós sentimos
que, naquele momento, tínhamos tudo na mão,
e aquele acordo foi um não saber aproveitar toda a força que se tinha juntado nesse momento.
Posto que os médicos continuam insatisfeitos,
podemos estar seguros que os médicos vão
continuar a lutar pelos seus direitos e a recusar
exceder o limite legal das horas suplementares?
Ou isso vai depender da postura do próximo Governo?
Vou tentar ser otimista. Ficámos parados até
agora porque não havia interlocutor. Não havia
Governo. Mas tenho a esperança que o próximo
Ministro tenha entendido a realidade, convoque
negociações com urgência com os Sindicatos e
ouça de uma vez por todas as reivindicações dos
médicos. Se assim for, nós vamos trabalhar que
é o que gostamos de fazer. Se assim não for e os
sindicatos nos digam que voltou a não haver seriedade, aí voltámos à luta. O Ministério tem que
negociar com os sindicatos de forma leal e clara.
Se pudesse dizer alguma coisa ao próximo Ministro ou Ministra da Saúde, o que lhe diria?
Ouça os sindicatos e o que eles pedem. Que negociem com seriedade. Os médicos são profissionais extraordinariamente sensatos, e sempre deram ao país o que o país pedia deles. Não
exigimos nada de extraordinário. Nem sequer
estamos a exigir aumentos, mas a reposição do
nosso poder salarial. Que percebam que, se não
o fizerem, se mantiverem a hostilidade dos anteriores Ministros, terão um problema grande
para resolver nas mãos, e este ano mais cedo do
que aconteceu o ano passado. Este ano, se juntarem as minutas às férias, a situação no SNS vai
ficar complicada logo a partir do início do verão.
O principal intuito era lutar pelo SNS,
com mais capacidade de resposta,
e as pessoas perceberam bem isso.
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