Federação Nacional dos Médicos - 25 de Abril - Flipbook - 18
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Grande Entrevista
É PRECISO PENSAR SEM DOGMAS,
SEM TABUS, COM INTELIGÊNCIA
SUSANA COSTA é cirurgiã geral em Penafiel há
19 anos, onde coordena a unidade de cirurgia
colorretal.
FNAMZINE: A Susana Costa, a partir do
Hospital de Penafiel, foi um dos rostos dos
Médicos em Luta. Que balanço faz do movimento e da luta dos médicos em 2023?
SUSANA COSTA: Foi de facto um ano especial, com um movimento inédito, com uma
solidariedade muito grande entre todos
os colegas. Há uma assimetria enorme no
SNS, da mesma forma que há uma assimetria enorme naquilo que são as condições
de trabalho, contratos e vencimentos dos
médicos no SNS.
Porque os interesses são muito diferentes
é muito difícil, efetivamente, as pessoas
unirem-se como se uniram no ano passado. Eu estou convicta, até porque foi um
dos motes que assumi sempre na minha
luta, é que mais do que as condições de
trabalho dos médicos, aquilo que moveu
a grande maioria dos médicos neste movimento foi denunciar aquilo que se passa
no SNS, fruto do receio que temos de que
estamos a chegar a um momento de não
retorno, onde está em curso o redimensionamento, ou mesmo ou mesmo o desaparecimento do próprio SNS tal como nós o
conhecemos.
Temos consciência que as nossas formas
de luta já não terão grande impacto nos
médicos da minha geração, até porque
mesmo que houvesse um aumento de 30%
de aumento nos salários dos médicos, que
era aquilo que se pedia, muito provavelmente isso não iria resolver a fixação dos
médicos no SNS, uma vez que esse aumento iria ser feito a partir de salários muito
baixos, além de que não foram levadas a
cabo outras medidas que melhorassem as
condições de trabalho.
E o que é que seria determinante?
Aquilo que seria determinante, que faria a
diferença, é a salvaguarda, para todos os
cidadãos, que somos capazes de salvaguardar o futuro do SNS, com qualidade,
e invertendo, com vontade e empenho,
o quadro de destruição que tem vindo a
acontecer. Salvaguardar aquilo que são as
funções do SNS.
Acredito que foi sobretudo isto que mobilizou os médicos para um movimento inédito em Portugal. O interesse que o SNS se
mantenha e se reverta a sua destruição foi
o que nos uniu e isso foi extraordinário.
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Disse que a questão salarial não seria
suficiente, e a certa altura, a pretexto da
crise política, o governo retirou as questões relacionadas com as condições de
trabalho das negociações, nomeadamente o regresso às 35h, às 12h de serviço de
urgência, a devolução dos dias de férias
retirados pela troika, entre outros, acha
que essa dimensão da negociação teria
ajudado a fixar médicos no SNS?
Acho que efetivamente é preciso dignificar, antes de tudo o mais, o trabalho médico, e ele não se dignifica sem condições
de trabalho. Os médicos são pessoas que
necessitam de formação permanente, estudo sistemático, e, portanto, estamos a
falar de uma das profissões mais diferenciadas e exigentes. Dignificar não só com o
reforço dos salários, como é evidente. Os
cidadãos não compreendem como é que
um gestor de uma qualquer empresa ganha 30 ou 40 vezes mais do que um médico no seu desempenho, quando o médico
precisa de muito mais formação.
É preciso efetivamente sermos justos do
ponto de vista salarial, sob pena de se perderem os valores intelectuais e técnicos
do nosso SNS, que vai acontecer cada vez
mais com as novas gerações, em que o seu
horizonte é o mundo e não estão presos ao
país, e vão ter tendência a procurar locais
mais atrativos e com melhores condições
remuneratórias, melhores condições de
trabalho e onde o seu esforço é devidamente dignificado. Hoje em dia é recorrente vermos nos nossos hospitais chefes de
serviço que limpam macas, algo impensável noutros países. O mesmo relativamente à forma como são agilizadas as equipas
de trabalho.
H á u m d e s c o n c e r t o g e n e ra l i z a d o
no funcionamento das unidades de saúde
Não é com ULSs e com reformulações políticas que vamos lá.
É preciso pensar sem dogmas, sem tabus,
com inteligência e com vontade de fazer
as coisas melhor, com equipas funcionais.
Sabemos todos, e temos vindo a assistir,
que há uma crise muito grande no trabalho em saúde pelo mundo fora, sobretudo
por causa da mercantilização da saúde, e
sabemos que tratar a saúde por números
dá asneira. É preciso perceber que a qualidade é mais importante.