Federação Nacional dos Médicos - 25 de Abril - Flipbook - 20
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Grande Entrevista
O SNS É UM BEM MAIOR QUE
NÃO PODEMOS DESPERDIÇAR
CARLA MEIRA é especialista de Medicina
Interna desde 2009 no Hospital de Santa Luzia,
na ULSAM, em Viana do Castelo.
FNAMZINE: A Carla foi, a par da Susana Costa e da Helena Terleira, uma das
vozes do movimento Médicos em Luta
(MEL), que teve grande preponderância
na luta dos médicos em 2023. Agora que
já não estamos no calor dos acontecimentos, que balanço é possível fazer?
CARLA MEIA: Eu tenho dois sentimentos.
Por um lado, o balanço é claramente positivo, claro, no sentido em que conseguimos unir os médicos como nunca se tinha
conseguido no passado e conseguir dar
força aos sindicatos que nos representavam nas negociações. Foi um momento único, ímpar, tanta gente a lutar pelo
mesmo.
Parece-me que deixará raízes para o futuro, saber que os médicos finalmente conseguiram unir-se e lutar pelo que acham
que têm direito e pelo Serviço Nacional
de Saúde (SNS).
Por outro lado, senti alguma frustração,
no fim, porque nunca achei que depois de
tanta união e tanta força, com tantas dificuldades nos serviços de urgência, que
a resposta do poder político, do governo,
fosse simplesmente encerrar e limitar o
acesso aos cuidados de saúde à população. Nunca pensei que fosse possível
que no dia em que fechassem serviços de
urgência por todo o país, que imediatamente não tentassem resolver e chegar a
acordo com os sindicatos.
Isso foi uma grande frustração e uma
grande desilusão em relação ao poder
político e à forma como atuaram pe-
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rante uma situação catastrófica. Depois
de tanta falta de transparência em todo o
processo negocial, a solução passou por
encerrar serviços.
Parte importante dos problemas que
os médicos assinalaram no processo de
luta não eram novos, alguns tinham décadas, o que é que aconteceu em 2023
para que a mobilização se tornasse tão
poderosa?
A questão financeira não era a única
questão, mas foi uma questão muito importante. Os médicos perderam muito
poder de compra, ao longo dos anos os
salários, não sendo atualizados, conduziram a isso.
Os médicos mais jovens não têm capacidade para comprar casa, para constituir família, e isso é uma realidade visível, todos os dias. Se acrescentarmos a
isso o aumento da inflação, as pessoas
ficaram com dificuldade e continuam
em dificuldade porque não conseguem
fazer face às despesas e pagar as contas
que têm para pagar. Isso pressionou-as
a trabalhar em vários sítios, abdicando
da sua vida pessoal, para conseguir melhorar o salário que garanta a vida que
querem ter. A questão das condições de
trabalho também pesou. A população
está mais envelhecida, precisa de mais
cuidados, é preciso dar mais respostas,
e com a saída que se tem visto dos médicos do SNS, faz com que quem fica tenha
que trabalhar mais.
É a combinação perfeita para as coisas
não correrem bem. Somos colocados
numa situação em que temos que trabalhar mais, é cada vez mais exigente o
trabalho, e não temos, da parte do governo, um investimento no SNS que possa
acompanhar esta realidade. Não temos
médicos suficientes para podermos ter
melhores condições de trabalho. Estamos sujeitos a um stress maior, mais exigências, sem a devida recompensa, com
a constante degradação das condições
de trabalho e sem a devida valorização
salarial que comecei por falar.