Journal Potuguese Release - February 2024 - Flipbook - Page 52
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irritabilidades. Dessa forma, ao ceder às demandas dos filhos, Aurora conseguia
um momento de paz: “Volto a fazer o que eles pedem para acabar logo com as
reclamações” para, logo em seguida, ser tomada pela culpa e pelo desconfortável
sentimento de impotência frente aos impasses.
A família havia mudado-se há dois anos para a cidade dos avós maternos, na
esperança de receberem o suporte familiar para os cuidados e tratamentos dos
filhos. Deixaram para trás escolas, relações, amizades, lazer, estabilidade
profissional. Defrontaram-se com obstáculos profissionais e financeiros e a ajuda
esperada dos familiares não se concretizou. O casal sofreu uma reorganização nas
suas responsabilidades como provedor da família, sendo que o pai das crianças
expandiu suas atividades profissionais, enquanto Aurora via as dela serem
reduzidas em função dos cuidados e educação dos filhos. Iniciava-se assim um
período duradouro de frustrações, sobrecarga e exaustão.
“Olá, Posso Entrar?”: Ampliando os Significados do Problema
Compareceram ao primeiro encontro Aurora e Daniel, um garoto silencioso e
observador aparentemente pouco interessado em participar da conversa que
dizia respeito às suas falhas no dia a dia. Aurora discorria sobre todos os seus
desapontamentos com o filho como: assistir muita televisão, reclamar de tudo,
embora ela estivesse sempre auxiliando-o, faltar-lhe autonomia para os deveres
escolares, evitar atividades físicas, ser pouco cooperativo e desobediente às
determinações dos pais. Sua maior dificuldade, porém, dizia respeito à inabilidade
de controlar-se antes de explodir em ataques de raiva, quando contrariado.
Desconfortável, Daniel absolutamente calado e tristonho, lentamente afastou-se
e desapareceu da sala. Um outro ambiente lhe era mais interessante: a sala de
brinquedos.
Convidei a mãe a acompanhá-lo e, buscando uma forma de incluí-lo no motivo
que os trouxeram à consulta, disse que muitas crianças sofrem com toda a sorte
de problemas, e que, como se não bastasse, esses problemas atrapalham também
a vida de suas famílias. Curiosa para conhecer a cara do problema, perguntei se
conseguiríamos tirar uma foto dele; problemas que assombram a vida das
crianças são invisíveis e só poderemos conhecê-los desenhando-os. Continuando,
disse que ainda não foi inventada uma máquina fotográfica que registrasse a
existência desses seres que tanto perturbam as pessoas. A mãe parecia aberta e
curiosa, Daniel aparentava estar incrédulo com o que acabara de ouvir. Aurora
Os Maus e os Bons Fantasmas: Uma História de Reautoria em Terapia Narrativa com Criança
Journal of Contemporary Narrative Therapy, February 2024 Release, www.journalnft.com, p. 4770.