Journal Potuguese Release - February 2024 - Flipbook - Page 68
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nosso Fantasma da Brincadeira já deve estar aí, se divertindo e batendo palmas
para vocês!”
Outros fantasmas foram surgindo, como um certo Fantasma da Reclamação. As
visitas do Fantasma da Fúria cessaram, mas este último, um “primo” daquele,
vivia a confundir Daniel e o levava a choramingar e dificultar as situações onde
teria que atender mais prontamente suas obrigações escolares durante a
pandemia. Este não só aprisionava as crianças, mas também conseguia dominar
os pais; ele já não era propriamente mau, mas sim, muito cansativo para as
pessoas. No encontro em que participaram Aurora e Daniel, refletimos que um
fantasma desse tipo se alimentava de quarentenas intermináveis. As pessoas
ficaram sem diversões, sem amigos e fechadas em casa, o ambiente preferido dos
Fantasmas da Reclamação; nutriam-se de infelicidade e tédio e enganavam as
crianças, fazendo-as sentirem-se injustiçadas e sobrecarregadas. Divertiam-se
quando as mães ficavam impacientes e irritadas. Que injustiça!
Para Michael White (2012), no processo de reautoria:
As pessoas ficam curiosas e fascinadas, em relação a aspectos
anteriormente negligenciados de sua vida e relacionamentos, e à medida
que prosseguem as conversações, essas narrativas alternativas ficam mais
adensadas, mais significativamente enraizadas na história e propiciam às
pessoas uma base para novas iniciativas ao lidar com os problemas,
dificuldades e dilemas de sua vida. (p. 62)
Assim, histórias de reautoria foram continuamente criadas, apesar das rotinas
desafiadoras vividas nos lares de famílias com crianças, frente a este assombroso
e incerto evento planetário. Aurora aprendeu a esperar e acolher e Daniel
manteve viva a presença de seus fantasmas atribuindo-lhes parentescos. Seu
membro mais temido parece ter partido, deixando em seu lugar outros menos
invasivos, amigos e até generosos. Uma de suas falas aponta tanto para a
mudança discursiva sobre o problema e as relações quanto para a construção de
soluções compartilhadas: “Ô tia, eu acho que na família dos fantasmas, o
Fantasma da Fúria e o do Choro são irmãos, como eu e meu irmão, os outros são
primos e têm fantasmas bons e os ruins.”
É importante esclarecer que os encontros presenciais, ainda que esporádicos,
foram oportunidades para conversas livres e lúdicas, com o propósito do
Os Maus e os Bons Fantasmas: Uma História de Reautoria em Terapia Narrativa com Criança
Journal of Contemporary Narrative Therapy, February 2024 Release, www.journalnft.com, p. 4770.