Journal Potuguese Release - February 2024 - Flipbook - Page 14
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narrava que sua vida não importava para ninguém e que, se ele morresse,
ninguém precisaria ser avisado. Nas suas conversas com esse homem, Michael
conseguiu resgatar dentre as histórias por ele vividas, as memórias de seu tempo
de criança. Sua primeira professora foi reconhecida por esse homem como
alguém para quem sua vida importava. Tivemos a oportunidade de assistir o vídeo
em que essa professora, já idosa, narrava momentos em que aquele menino se
destacava e o apreço que ela tinha por ele. Voltamos para o Brasil com as
sementes pulsantes de uma inquietação para aprender mais e transformar nossa
prática. Michael nos ajudou a considerar que todas as pessoas têm histórias de
valor e o poder de legitimação de vidas e relações pelas narrativas de
testemunhas externas. Na ocasião tivemos acesso a um fantástico artigo,
denunciando práticas de poder subjugadoras de selves e relações. Ainda hoje,
compartilho com meus alunos o artigo Deconstruction nad Therapy (White, 1991).
Nele, Michael apresenta quatro sinopses de histórias de algum tipo de opressão,
ajudando-nos a compreender que sempre há portas de entrada para histórias
subordinadas que, uma vez historiadas, ajudam a desconstruir histórias
dominantes saturadas de problema, possibilitando a construção de histórias
preferidas de vidas legitimadas.
Seguimos estudando e, ao mesmo tempo, compartilhando com nossos alunos o
que estávamos aprendendo. Um referencial para construirmos nosso caminho foi
o primeiro livro publicado por Michael e David Epston - Narrative means to
therapeutic ends (1990). Objetivar os problemas e não as pessoas, desenvolver a
sensibilidade para ouvir traços nas histórias convidando a histórias de esperança.
Muitas novidades foram surgindo com a metáfora narrativa. Nossa prática de
terapia, gradativamente mudou seu foco de problemas para possibilidades,
externalizando a influência dos discursos culturais nas narrativas dominantes
saturadas de problemas, que, subliminarmente, constroem relações de poder.
Michael e David ampliaram nossos horizontes e práticas terapêuticas,
contribuindo para olharmos problemas como gritos de inconformismo, diante de
valores desconsiderados, ou mesmo, ultrajados. Mais tarde pudemos ampliar
nosso entendimento pelo precioso conceito de “o ausente, mas implícito” (White,
2007), resultado da presença das ideias de Derrida na terapia narrativa.
A terapia narrativa contribuiu para ampliar nossa compreensão das vidas e
relações, ao convidar outros interlocutores, fora do mundo psi: Foucault, Derrida,
Vygotsky, Geertz, Bachelar, Barbara Myerholf, Bruner, dentre outros mais
Editors’ Note
Journal of Contemporary Narrative Therapy, February 2024 Release
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