Journal Potuguese Release - February 2024 - Flipbook - Page 50
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A terapia narrativa discute a desconstrução do poder do terapeuta, a partir de
uma visão foucaultiana que enfatiza o poder não como uma implementação
institucional do topo para baixo, mas como aquele que desenvolve- se e refina-se
no nível local da cultura (White & Epston, 1993). Em outras palavras, as pessoas
são produto e produtoras de relações, conceitos e dogmas que moldam discursos
culturais dominantes e socialmente construídos. Dessa forma, no encontro
terapêutico deparamo-nos com narrativas normatizadas culturalmente e
saturadas pelo problema, que objetificam pessoas e as descrevem como
problemáticas, paralisadas e incompetentes na promoção de mudanças.
Para fazer face às histórias dominantes que produzem esta construção identitária
de defcit e limitação, a externalização do problema - posteriormente renomeada
de conversas de externalização - foi uma resposta ética e criativa originada por
Michael White (Freeman, Epston & Lobovits, 1997; White, 2012; White & Epston,
1990) ao poder das descrições uniformizantes sobre as pessoas, que fazem
submergir toda a singularidade que cada indivíduo tem no enfrentamento de suas
dificuldades. Tais conversas, como recurso dialógico, convidam os participantes a
entenderem que o problema é que é o problema e não a pessoa; uma abordagem
que estimula as pessoas a questionarem a opressão que os problemas adquirem
sobre elas, assim como a tecerem a reautoria de suas vidas. Diz Michael White
(2012):
Considero a prática de externalização em certo sentido como um amigo
leal. Ao longo de muitos anos, essa prática me ajudou a descobrir maneiras
para seguir em frente com pessoas em situações consideradas
desesperadoras. Nessas situações, as conversações de externalização
abriram muitas possibilidades para que redefinissem sua identidade,
vivenciassem sua vida de uma nova maneira e buscassem aquilo que
valorizavam. (p. 59)
Este espírito fascinante que repousa no que é único de cada pessoa e tão
presente no convívio profissional com crianças reflete o entusiasmo de um outro
pequeno cliente: “Falei para o meu pai: ‘Deve ter alguma mágica aqui! Aquela
choradeira que eu fazia pra tudo, sumiu!’”
Com a inspiração de “como se fosse mágica”, trarei a seguir o relato do
atendimento familiar no qual este texto foi baseado. Os encontros foram em sua
maioria com a participação da mãe (Aurora) e seu filho mais velho (Daniel), uma
Os Maus e os Bons Fantasmas: Uma História de Reautoria em Terapia Narrativa com Criança
Journal of Contemporary Narrative Therapy, February 2024 Release, www.journalnft.com, p. 4770.