Journal Potuguese Release - February 2024 - Flipbook - Page 51
50
vez que as dificuldades descritas traziam muitos desentendimentos e o
sentimento de desesperança na relação entre eles. Anderson e Goolishian (1988)
sugerem que o problema organiza o sistema, e assim, Leo, o irmão mais novo foi
incluído quando conflitos entre as crianças intensificaram-se com o isolamento
social imposto pela pandemia; o pai pode pôde participar de algumas sessões
apenas, quando conseguíamos o agendamento de horários no contraturno de seu
trabalho. Nesses encontros onde a família toda se reunia, o brincar livremente foi
o objetivo principal. (César, 2012)1.
Um Pedido de Ajuda
Ainda nos primeiros dias das férias de janeiro de 2020, Aurora, a jovem mãe de
Daniel (oito anos) e Leo (quatro anos) estava muito angustiada por não conseguir
uma relação equilibrada com o filho mais velho, que se “joga na televisão” e não
se comprometia com suas obrigações, desde os cuidados com a higiene pessoal
até as obrigações escolares em tempos de aula. Nascido aos 7 meses de gestação,
foi avaliado durante o período de alfabetização e recebeu diagnóstico de
Transtorno de Distúrbio de Atenção (TDA), além de conviver com uma
desconfortável disgrafia e imaturidade psicomotora, que obrigava a mãe a
acompanhar tarefas escolares, corrigir erros de ortografia e “apagar a letra feia”.
Sempre muito queixoso, ficava irritado quando a mãe o pressionava: gritava,
chorava, acusando-a de ser uma mãe ruim. Isso a deixava “fora de si”,
entendendo que fazia o melhor podia. Nesses momentos a raiva também a
dominava, de onde emergiam falas que jamais adotaria se pudesse pensar antes
de dizer. Sentia-se portanto, muito culpada e convencia-se de que realmente não
era uma boa mãe.
Aurora preocupava-se também com o filho menor. Tal como o irmão mais velho,
nasceu prematuro, porém as intercorrências perinatais e os efeitos do
nascimento precoce foram mais invasivos no seu desenvolvimento. Os pais
passaram a protegê-lo, pouco o encorajando na autonomia das atividades da vida
cotidiana: “Ele é o nosso bebê”; “exigiu muito cuidado”, “sempre foi fraquinho”;
“ganha tudo no choro e eu acabo cedendo para não me irritar mais”, dizia Aurora.
Uma espécie de círculo vicioso se estabeleceu, onde as atitudes desafiantes de
Daniel e o choro insistente de Leo resultavam numa explosão conjunta de
1
Os nomes dos participantes foram modificados para que suas identidades sejam preservadas, e como autora
obtive o consentimento da família para a publicação deste artigo.
Os Maus e os Bons Fantasmas: Uma História de Reautoria em Terapia Narrativa com Criança
Journal of Contemporary Narrative Therapy, February 2024 Release, www.journalnft.com, p. 4770.